
O presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina), José Hiran da Silva Gallo, disse nesta quarta-feira (16) que haverá punição ao médico que descumprir nova resolução sobre o atendimento e a realização de procedimentos em crianças e adolescentes transgênero.
"As normas do CFM têm de ser cumpridas", disse Gallo. "Aquele médico que descumprir [a regra] poderá sofrer advertência, censura, suspensão e até cassação da licença profissional", afirmou ainda o presidente do CFM.
Como revelou a Folha de S.Paulo, o conselho aprovou a resolução 2.427/2025, que proíbe o bloqueio puberal para mudança de gênero. O documento, publicado nesta quarta no Diário Oficial da União, também eleva de 16 para 18 anos a idade mínima para hormonização e aumenta de 18 para 21 anos o limite para cirurgias que podem causar infertilidade, como as que removem útero e ovários.
Em declaração a jornalistas após a publicação do texto, representantes do CFM negaram que as novas regras tenham sido motivadas por "política ideológica". Nos últimos anos, o conselho tem sido alvo de críticas pelo conservadorismo e alinhamento com o bolsonarismo.
"O problema de Bolsonaro e Lula é dos dois, não está nesta casa. O CFM não atua por ideologia política", disse Gallo.
O Ministério Público Federal instaurou na última segunda (14) um procedimento para apurar a legalidade da resolução do CFM. O processo foi aberto a partir de denúncia da Associação Mães pela Diversidade e de Nota Técnica da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), entidade que afirma que a nova regra impõe "severas restrições ao atendimento".
O veto do CFM aos bloqueadores de puberdade só vale para crianças e adolescentes que queiram fazer a transição de gênero e não se aplica a casos de puberdade precoce ou outras doenças endócrinas. As novas regras também não afetam pessoas que já façam uso de bloqueadores ou hormônios.
A resolução anterior do conselho, editada em 2019, permitia realizar o procedimento em caráter experimental com protocolo de pesquisa em um número limitado de hospitais universitários do país.
JUSTIFICATIVA FRÁGIL
O CFM justifica as novas restrições a um suposto aumento da "destransição", mas não apresenta dados que comprovem o fenômeno.
Um dos relatores da resolução, o médico Raphael Câmara Medeiros Parente disse que a norma se baseou em estudos que apontam "aumento enorme" de "prevalência de trans", também de "arrependimento e destransição". Ele reconheceu, contudo, que os estudos sobre esse tema são escassos e pouco robustos.
"As respostas e possíveis explicações são de que está havendo um 'sobrediagnóstico', mais crianças e adolescentes estão sendo diagnosticadas com disforia de gênero e levadas a tratamento. Muitas no futuro poderiam não ser trans, mas simplesmente gays e lésbicas", disse Parente, que foi secretário do Ministério da Saúde durante a gestão Jair Bolsonaro.
"Os estudos em relação a esse tema não têm grande nível de evidência", acrescentou. "A gente hoje não tem uma resposta. Quando estamos num conselho de medicina, que é um tribunal ético, muitas vezes tem de levar em conta que a falta de evidência exige prudência", disse ainda o relator.
Há pelo menos 20 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que buscam proibir procedimentos para transição de gênero em crianças e adolescentes, com previsão de penas de até 20 anos de prisão para médicos.
As regras atuais do SUS permitem a realização de procedimentos cirúrgicos, como a mastectomia, a partir dos 21 anos, e o uso de hormônios apenas para maiores de idade —ou seja, são mais restritivas do que a resolução do CFM de 2019 e similares à nova regra do conselho.
Em fevereiro de 2024 e dezembro do mesmo ano, o Ministério da Saúde apresentou as linhas gerais do Paes Pop Trans (Programa de Atenção Especializada à Saúde da População Trans), que além de expandir a oferta dos serviços voltados para a população trans, também prometia reduzir a idade mínima para os processos cirúrgicos e de uso de hormônios, com base justamente na resolução agora revogada do CFM.
O ministério tem sido cobrado por não publicar a portaria que iria regulamentar este novo programa.
Parente disse que conversou com integrantes da Saúde sobre o tema e afirmou que não vê "movimento" do governo Lula para oficializar a nova política. "Se mudar, a gente vai avaliar se é robusto, baseado em evidências científicas", disse o médico.