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Destombamentos viram nova frente de batalha imobiliária paulistana

Debates simultâneos sobre revisões de tombamentos de bens e áreas com importância histórica e cultural ocorrem neste momento na cidade de São Paulo.

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Debates simultâneos sobre revisões de tombamentos de bens e áreas com importância histórica e cultural ocorrem neste momento na cidade de São Paulo, ao passo que decretos para preservação desses locais se tornam a última trincheira de grupos contrários à expansão da verticalização.

Discussões distintas realizadas no mesmo 10 março deste ano na capital paulista consideravam excluir do patrimônio municipal trechos de três bairros da zona leste da cidade. Enquanto o Conpresp (conselho municipal de patrimônio) avaliava destombar vilas operárias no Tatuapé e no Belém, uma audiência pública na Câmara Municipal tinha como pauta rever a área envoltória do centro histórico da Penha de França.

Revisões também estão em curso no órgão estadual de patrimônio, o Condephaat, e no federal, o Iphan.

Enquanto o Condephaat aguarda decisão judicial sobre sua decisão de excluir do tombamento o uso unifamiliar dos imóveis dos Jardins (zona oeste), o Iphan deverá reavaliar neste mês se um terreno onde o Exército está construindo uma torre deixará de fazer parte da área envoltória do complexo esportivo do Ibirapuera (zona sul).

O caso do centro histórico da Penha tem uma particularidade. Poucos edifícios foram construídos no local antes da criação de zona uma onde prédios altos não são permitidos. O polígono, com quase 2 km entre seus extremos, evita a obstrução da vista da basílica de Nossa Senhora da Penha.

Restrição de gabaritos praticamente eliminam a viabilidade das grandes incorporações imobiliárias. É que para valer a pena para esse mercado, o preço do terreno precisa ser diluído na venda de múltiplos apartamentos.

Coincidentemente, um visível processo de degradação avança na área histórica do bairro fundado em 1668. Dezenas de imóveis estão fechados ou com aspecto de abandono. Cenário que contrasta com o do vizinho Tatuapé, onde alguns dos mais altos edifícios paulistanos foram erguidos nos últimos anos.

Queixas de proprietários penhenses à vereadora Janaína Paschoal (PP) motivaram a convocação da audiência pública sobre o destombamento. No dia do evento, porém, compareceram mais pessoas favoráveis à manutenção da restrição. "Não tenho uma posição fechada, só quis dar espaço para essa discussão", diz a vereadora.

Segundo o urbanista Silvio Oksman, o dilema entre preservação e desenvolvimento econômico revela uma falha do planejamento urbano municipal –o Plano Diretor Estratégico de 2014–, que é tratar as grandes incorporações imobiliárias como resposta única para estimular o crescimento da cidade.

Pela regra vigente, áreas próximas a estações de metrô e corredores de ônibus aceitam edificações com os maiores coeficientes de aproveitamento da cidade. Isso significa que nesses locais se pode construir mais vezes em relação à área do terreno. A Penha tem uma estação metroviária e deverá receber outra com a expansão da linha 2-verde.

"Toda a legislação de 2014 está vinculada ao coeficiente de aproveitamento, ao mercado, não à qualidade urbana", afirma Oksman.

Planos de desenvolvimento específicos para cada bairro, considerando particularidades na forma como vivem seus moradores, poderiam evitar usos distorcidos de decretos de tombamentos como escudo à expansão imobiliária, diz o especialista.

Um projeto para fomentar o comércio local, respeitando características culturais e históricas, é o que defende Alfredo Alves Veloza, 69, superintendente da distrital Penha da Associação Comercial de São Paulo.

"Nosso problema não é o tombamento, mas a falta de incentivos à restauração, como a prefeitura está fazendo no centro da cidade", diz, fazendo referência aos subsídios da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) para a modernização de prédios na área central.

Planos de bairros estão entre os projetos estudados por Elisabete França, secretária de urbanismo da gestão Nunes. Ainda não há previsão, porém, de quando essa intenção sairá do papel.

Também favorável a propostas localizadas, o urbanista Lucas Chiconi Balteiro avalia que áreas negligenciadas pelo poder público, como entornos de ferrovias e de grandes viadutos, como os existentes na Penha, podem ser os verdadeiros responsáveis por processos de degradação urbana. "É uma armadilha olhar o tombamento como vilão, desconsiderando grandes cicatrizes da cidade", comenta.

Para donos de imóveis afetados, porém, a degradação de áreas históricas reflete a ausência de políticas compensatórias, diz Marcelo Magnani, presidente da Associação dos Proprietários de Imóveis Tombados. "Seria preciso que ao menos o primeiro restauro, que é muito caro, fosse subsidiado", diz.

Relator da revisão do Plano Diretor em 2023, o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Rodrigo Goulart, afirma que o município aperfeiçoou sua política de compensação por meio do TDC (Transferência do Direito de Construir). O instrumento permite a venda do potencial construtivo não aproveitado em áreas tombadas. "O proprietário pode usar esse recurso para fazer o restauro", argumenta Goulart.

Mas o TDC também enfrenta críticas. Além de não valer para áreas envoltórias, a transferência não costuma ser demandada em baixas quantidades, sendo de pouca serventia para pequenos proprietários.

Goulart diz que o momento oportuno para discutir alternativas ao Plano Diretor, pois ele será renovado em 2029. Ele reforça, entretanto, a intenção positiva da regra vigente, que é estimular a construção de moradias perto do transporte e dos polos geradores de trabalho e renda.

Argumentos também defendidos por integrantes do setor imobiliário. Diretor comercial de uma das principais construtoras com atuação na zona leste, a Porte Engenharia e Urbanismo, Igor Melro diz que é preciso buscar harmonia entre preservação e progresso.

"É uma região com predominância de pessoas que se deslocam para outras áreas para trabalhar, então, é preciso aproximá-las do emprego", diz Melro. "Não acho que tem que derrubar todo e qualquer tombamento, mas uma análise aprofundada é necessária."

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