
Uma empresa brasileira de armamentos apresentou um drone que pode carregar armas em uma feira militar no Rio de Janeiro. Especialistas ouvidos pela reportagem divergem sobre legalidade e impactos da tecnologia no combate ao crime.
O QUE ACONTECEU
Taurus apresentou um drone com capacidade para operar fuzis e metralhadoras durante a LAAD Defence & Security 2025, realizada na semana passada, no Rio de Janeiro. O sistema de acoplamento de armamentos foi criado em parceria com uma empresa brasileira de tecnologia —cujo nome não foi divulgado. A Taurus não fabrica o drone em si, mas é responsável pelo sistema que integra as armas à plataforma aérea.
O protótipo é compatível com calibres 5,56 mm, 7,62 mm e 9 mm, usados amplamente por forças policiais e militares. Segundo a empresa, o sistema pode ser adaptado a diferentes modelos de armamento, incluindo o fuzil T4, já utilizado por várias corporações no Brasil. O equipamento foi projetado para ser modular, com encaixes e acionamento remoto integrados ao controle do drone.
O equipamento incorpora tecnologias de ponta, como um sistema de controle de fogo que conecta a arma ao drone. Também conta com câmera 4K estabilizada em três eixos e rádio controle com transmissão em tempo real das imagens captadas.
Outros recursos incluem sensor de distância, ponteiro a laser e movimentação horizontal e vertical. O sistema ainda possui inteligência artificial embarcada para identificação de alvos.
A aeronave já é homologada pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), e os armamentos têm certificação dos órgãos competentes e apostilamento do Exército Brasileiro. Apesar disso, o modelo ainda está em fase de demonstração e não tem previsão de entrada no mercado. A Taurus afirma que a apresentação do equipamento na feira marcou o início das conversas com governos estaduais, forças armadas e órgãos de segurança pública.
A empresa também informou haver estudos internos e parcerias institucionais voltadas à regulamentação do uso de drones armados no Brasil. Segundo nota oficial enviada ao UOL, o projeto contempla "camadas robustas de proteção tecnológica", com protocolos rígidos de rastreabilidade para evitar desvios e usos indevidos. O objetivo é aplicar o equipamento em "operações táticas específicas", respeitando os critérios técnicos, operacionais e legais vigentes.
A proposta, no entanto, levanta dúvidas entre especialistas em segurança pública e direito. Juristas e operadores da segurança divergem sobre os riscos operacionais, a ausência de marco legal e os efeitos da tecnologia sobre a população civil, especialmente nas áreas mais vulneráveis.
QUANDO DRONE SERIA USADO
O delegado André Santos Pereira, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, defende o uso da tecnologia em último caso. "Em situações extremas, quando for necessário responder a uma agressão injusta", afirma. Para ele, drones armados podem ser úteis, mas exigem treinamento rigoroso para evitar falhas.
"Ferramenta importante nas operações de segurança pública". "O uso de drones armados pode ser, sim, considerado uma ferramenta importante nas operações de segurança pública", diz Pereira. "Mas deve-se ter muito cuidado com a execução desse tipo de intervenção, para não termos erros que venham a causar prejuízos à população."
O advogado criminalista Arthur Richardisson vê a tecnologia com ressalvas. Conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, ele afirma que "sem marco legal, representa um risco concreto à população civil". Ele lembra que, mesmo operados por humanos, drones armados tendem a desumanizar a tomada de decisão. "Foi o que vimos em operações como a do Afeganistão, em 2021", diz.
Segundo ele, o Brasil não tem legislação federal que autorize o uso de força letal por drones. "A Constituição exige legalidade estrita no uso da força pelo Estado", afirma. Ele também alerta para a dificuldade de responsabilização penal em caso de erro. "O distanciamento físico compromete o controle sobre a legalidade da ação", diz.
Crime organizado já utiliza drones para monitorar a polícia, lançar explosivos e abastecer presídios. "Os multicópteros criminosos são baratos, com visão de 360° e difícil rastreabilidade. Sem controle, abrimos caminho para que essa tecnologia caia em mãos erradas", diz o advogado criminalista.
Avanço técnico, mas riscos evidentes. O delegado Gustavo Mesquita, professor de Criminologia e ex-coordenador do GOE (Grupo de Operações Especiais da Polícia Civil) de Guarulhos, diz que a inovação só se justifica quando está subordinada a protocolos claros, controle institucional e total transparência nas ações estatais. "Faltam leis específicas, e isso torna o uso atual juridicamente temerário." Segundo ele, é imprescindível definir cadeia de comando, parâmetros para responsabilização e protocolos de uso.
Delegado defende rastreabilidade rígida e controle militar sobre a comercialização. "É essencial que o desenvolvimento e a venda passem por autorização expressa do Exército, com penalidades severas em caso de desvio", afirma Mesquita. "A atuação policial deve sempre preservar vidas e respeitar a dignidade."